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Drogas, ações psicoativas e prazer: Uma reflexão intrigante!




Em nossa sociedade, há certa inclinação em associar o termo drogas estritamente ao uso de produtos ilícitos. O fato é que múltiplas substâncias que usamos em nosso cotidiano são consideradas drogas, sejam elas proibidas ou não por lei. Da mesma forma que nem toda droga é ilícita, nem todas elas promovem efeitos diretamente no cérebro.

Em outras palavras, nem toda droga é psicoativa e/ou ilícita. Esses são alguns dos mitos que precisamos desconstruir no debate sobre drogas. Quando falamos em drogas com ação psicoativa, nos referimos àquelas que produzem mudanças nas sensações, no grau de consciência ou no estado emocional, seja o seu uso deliberado ou não para esse fim. 

Isso significa que as mudanças decorrentes do uso dessas substâncias apresentam “modulações” em função das características de quem usa, do tipo e da quantidade da droga consumida, do contexto de uso e dos seus efeitos no organismo. A mudança na qualidade da atividade cerebral promovida pelo consumo de uma droga, portanto, retrata um contexto multifacetado.

Mas, será que apenas as drogas psicoativas são capazes de alterar nosso grau de consciência, percepção ou nosso estado emocional? Será que outras atividades cotidianas não seriam propiciadoras de cenários psicoativos? Que tal repensarmos? Vamos simular duas situações.


Situação 1 – Comer o que gostamos ou rir usando o celular podem estabelecer cenários psicoativos.


Na primeira situação, imaginemos que você esteja em casa em plena noite de sexta-feira. Sextou! Você trabalhou a tarde inteira. Ficar sentado em frente ao computador lhe desgastou e a tensão tomou conta de você. Agora é a hora de descansar. Você olha para os cantos e tenta buscar algo que lhe relaxe naquele final de noite. Você abre a geladeira e percebe que ainda há metade de um bom vinho. Convidativo, não? 

Antes que preencha sua taça, você coloca uma música que gosta e começa a cantar. Nessa ocasião, a música lembra um momento especial de sua vida. Acompanha a música com tanta alegria que chega a se perder na letra. Se embala na canção. Faz passinho e tudo. 

Uma sensação de bem-estar e euforia lhe invade, toma conta de você. De repente, o seu telefone vibra e você percebe uma mensagem no WhatsApp vinda de um grande amigo. Ele conta situações intrigantes de um encontro recém ocorrido. 

E você, em meio a risos e gargalhadas, se sente bem com isso. Se sente tão confortável que, por um instante, esquece da taça de vinho que pensou em tomar. Note que você relaxou, se sentiu alegre em ouvir a canção. Você gargalhou com a conversa a ponto de esquecer da garrafa de vinho. Em outras palavras, você não ingeriu uma droga psicoativa (ao menos, não o bastante) e, mesmo assim, experimentou situações que estabeleceram canais de euforia e contentamento, aumentando o seu humor e impactando o seu estado emocional, tendo ou não acontecido de forma intencional. 

Sem perceber, essas ações psicoativas resgataram memórias e conexões cerebrais prazerosas. A música, a comunicação pelo aplicativo digital e o diálogo instaurado entre você e seu amigo estabeleceram um cenário de psicoatividade, marcado pela euforia, pelo bem-estar e pela sensação de prazer. Você percebe isso? Vamos explorar um pouco mais esse modo de intervenção das atividades cotidianas no estado psicoativo das pessoas? Simulemos agora uma segunda situação. Imagine seu tempo de estudante, quando você avaliava as aulas dos seus professores e esse juízo guardava relação direta com seu envolvimento cognitivo e emocional. Sua percepção sobre o mundo e as coisas era, de alguma forma, instada a modificar ante os argumentos, exemplos, debates etc. Ou não. Era tão somente um tempo perdido numa aula maçante, com leituras desinteressantes e chatas! Consegue lembrar de algum episódio desses? 

Compare as duas situações apresentadas. Para qual delas você gostaria de retornar e reviver as sensações? Não à toa, os editores de livros e as bienais cunharam slogans onde se lia, por exemplo, “Ler é um barato” ou “ler é viajar”. A ideia subjacente aqui é a de que ler provoca barato e viagem, duas palavras usadas para nomear experiências psicoativas pelos jovens há algumas gerações. Para não ficar apenas nos exemplos de experiências psicoativas que trazem sensações boas ou de repulsa, pensemos na euforia subjacente que podem trazer, para alguns, um trabalho competitivo, uma discussão acalorada ou uma briga que chega às vias de fato. Quem nunca passou por isso? 

Por pior que sejam essas experiências, elas vêm acompanhadas por descargas hormonais capazes de modificar o estado geral do organismo humano, incluindo o cérebro. E isso pode desencadear comportamentos repetitivos relativos a situações não positivas, mas que resultam na liberação de hormônios moduladores do estresse, da agitação, do estado de alerta, da excitação como a adrenalina, por exemplo. Aí está uma boa explicação do porquê os esportes radicais são ditos “viciantes”, assim como a montanha russa, os filmes de terror e as séries de ação das plataformas de streaming. Será que lutas, curiosidades, desafios, pressão, concorrência também não deixam um gostinho de quero mais? E quanto aos sentimentos? Será que amor, alegria e felicidade são viciantes? E quanto à raiva, à tensão e ao medo? Será que só Freud explica?


Situação 2 – Assistir a um filme ou série que gostamos sem parar: experiências prazerosas ou comportamentos repetitivos?


Seja com o uso de drogas psicoativas (sal de cocaína, álcool, nicotina, cafeína, THC e CBD da maconha etc.) ou ao realizar coisas que gostamos, sensibilizamos áreas do cérebro que induzem ou promovem bem-estar.

As experiências de ouvir uma música que gostamos, gargalhar com algo que achamos cômico nas mídias sociais, ficar inebriado pelo sabor de um bolo ou relaxar com um bom papo entre amigos se configuram como ações psicoativas. Em ambos os casos há relações implicadas com o nosso sistema de recompensa cerebral.

Essa zona cerebral é ativada quando nós temos uma experiência prazerosa. Nesse caso, a dopamina também entrará em ação, produzindo sensações de contentamento. E, tal condição de prazer permite que o cérebro registre essa informação, entendendo que essa ação pode ser repetida.

Curioso, não? Biologicamente, o sistema de recompensa cerebral não existe por acaso. Ele é um instrumento importante das modulações cerebrais que facilitam a nossa sobrevivência no mundo. Seja conosco ou com outros animais, é necessário ter algo que nos motive na busca de alimento, no sexo ou nas interações gregárias.

Contudo, até que ponto uma ação psicoativa pode nos trazer prazer ou se tornar uma experiência dolorosa? Até que ponto os prazeres da nossa vida (celulares, mídias digitais, açúcar, processados etc.) são fundamentais ou deletérios para nossa sobrevivência em sociedade?

Deixe aqui nos comentários a sua opinião! 

fonte: COELHO, F. J. F.; SILVA, M. L. Drogas, ações psicoativas e prazer. Texto de apoio do curso Educação sobre Drogas: do alimentar ao digital. Fundação CECIERJ: Rio de Janeiro, 2021. Link.

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