Como segunda etapa da investigação epidemiológica para esclarecer óbito ocorrido em abril, por meningite eosinofílica, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) voltaram à localidade. Dessa vez, para coletar e analisar roedores.
Na primeira etapa do trabalho, especialistas haviam identificado a presença do verme Angiostrongylus cantonensis, causador da doença, em um caramujo aquático e dois caramujos terrestres.
No entanto, restava uma importante avaliação para concluir a investigação do caso, pois, para se perpetuar na natureza, o verme depende de dois hospedeiros: um molusco e um roedor.
Pesquisadores instalaram armadilhas para coletar pequenos mamíferos na região onde ocorreu caso de meningite eosinofílica. Foto: Acervo IOC
O ciclo funciona da seguinte forma: as larvas eliminadas pelos moluscos (chamadas de L3) infectam roedores, como os ratos urbanos. Nestes hospedeiros, elas evoluem até chegarem às formas adultas do verme, que se reproduzem, gerando ovos, que eclodem e liberam larvas (chamadas de L1).
As larvas L1 são eliminadas nas fezes dos roedores e ingeridas pelos caramujos. Dentro dos moluscos, elas se desenvolvem até alcançar a forma de larvas L3, que é infectiva para roedores e, acidentalmente, pode infectar o ser humano.
Para desvendar o ciclo completo da doença, os pesquisadores realizaram a coleta de pequenos mamíferos na área onde o caso foi registrado.
Quinze animais foram capturados, incluindo dez ratos da espécie Rattus norvegicus, três gambás da espécie Didelphis aurita e duas preás da espécie Cavia fulgida.
Entre estes, a infecção pelo verme A. cantonensis foi confirmada em cinco ratos R. norvegicus, conhecidos popularmente como ratazanas de esgoto.
Rato capturado em área com acúmulo de lixo. Foto: Acervo IOC
O achado foi conduzido pelo Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC, que atua em nível de referência, junto ao Ministério da Saúde, para taxonomia e diagnóstico de animais silvestres reservatórios de doenças.
Os cientistas se somaram aos esforços iniciados pelo Laboratório de Malacologia do IOC/Fiocruz, que conduziu a primeira etapa da investigação.
Todos os resultados foram comunicados à Secretaria Municipal de Saúde, que solicitou a investigação, e ao Ministério da Saúde, através de laudo.
Pesquisadores do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) participaram da segunda etapa do trabalho.
A parceria com técnicos da Superintendência de Vigilância Ambiental em Saúde de Nova Iguaçu (Suvam/Nova Iguaçu) foi fundamental em todas as etapas da investigação.
Prevenção contra novos casos
A detecção do verme em caramujos e ratos confirma que o ciclo completo de transmissão da doença está estabelecido na região onde o paciente foi infectado.
“Encontramos alta taxa de infectividade em ratos, que foram capturados em apenas três noites de coleta, no interior e nos quintais de residências. Isso mostra que o parasito está circulando no ambiente e representa um risco para a população”, afirma o coordenador do Laboratório de Referência Nacional em Taxonomia e Diagnóstico de Reservatórios Silvestres das Leishmanioses, Paulo D’Andrea.
Considerando os achados, os pesquisadores apontam a necessidade de medidas de controle dos dois hospedeiros do parasito.
“No curto prazo, podem ser feitas ações para reduzir a população de roedores. Nos médio e longo prazos, é importante regularizar a coleta de lixo orgânico e implementar esgotamento sanitário na região, porque o lixo acumulado e o esgoto a céu aberto atraem os ratos para perto das residências”, aponta a coordenadora adjunta do Laboratório de Referência Nacional em Taxonomia e Diagnóstico de Reservatórios Silvestres das Leishmanioses, Michele dos Santos.
Esgoto a céu aberto na região onde ocorreu caso contribui para atrair ratos para perto das residências. Foto: Acervo IOC
Em relação aos caramujos, os especialistas indicam que a catação manual é a principal estratégia para combater o caramujo gigante africano (espécie Achatina fulica), que está envolvido na maioria dos casos de meningite eosinofílica.
É importante realizar o procedimento com as mãos protegidas por luvas ou sacos plásticos para evitar a contaminação. Confira o passo-a-passo aqui.
Além do controle dos hospedeiros, os pesquisadores reforçam a importância de informar e orientar a população para prevenir novos casos de infecção pelo verme, a partir de ações de educação em saúde para diferentes públicos.
As pessoas podem ser infectadas pelo verme da meningite ao ingerir caramujos infectados malcozidos ou consumir alimentos mal higienizados contaminados pelo muco eliminado pelos moluscos, como verduras, frutas e legumes.
Entre os principais cuidados para evitar a infecção estão:
Não ingerir moluscos crus ou malcozidos, incluindo caramujos terrestres ou aquáticos e lesmas;
Lavar bem frutas e verduras, deixando de molho por 30 minutos em mistura com um litro de água e uma colher de sopa de água sanitária, enxaguando-as bem em água corrente antes do consumo.
“Evitar acúmulo de lixo e entulho nas residências ajuda a reduzir a presença de ratos. É preciso ter cuidado com o uso de raticidas devido ao risco de ingestão acidental e intoxicação, principalmente para crianças e outros animais”, alerta Michele.
Sintomas da doença meningite eosinofílica
Assim como outras formas de meningite, a infecção provoca inflamação das meninges, membranas que envolvem o sistema nervoso central, incluindo o cérebro e a medula espinhal.
A dor de cabeça é o sintoma mais comum da meningite eosinofílica. Também podem ocorrer rigidez da nuca, febre, distúrbios visuais, enjoo, vômito e parestesia persistente (por exemplo, sensação de formigamento ou dormência).
Na maioria dos casos, o paciente se cura espontaneamente. Porém, o acompanhamento médico é importante porque alguns indivíduos desenvolvem quadros graves, que podem levar à morte.
O tratamento busca reduzir a inflamação no sistema nervoso central e aliviar a dor, além de evitar complicações.
Investigação de campo
Para identificar os roedores envolvidos no ciclo do verme, pesquisadores instalaram armadilhas nos quintais e no interior de residências e estabelecimentos comerciais nas proximidades do local onde provavelmente ocorreu a infecção.
Laboratório de campo foi montado para análises iniciais. Foto: Acervo IOC |
As análises iniciais foram realizadas no laboratório de campo, montado no bairro Ipiranga, próximo à área de captura dos animais, e posteriormente, nos laboratórios do IOC.
As espécies dos mamíferos capturados e dos parasitos foram identificadas através de análise morfológica (que estuda a forma e a estrutura dos organismos) e, quando necessário, sequenciamento genético.
Todos os procedimentos seguiram protocolos estabelecidos pelo Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC, considerando parâmetros de biossegurança e ética no manejo de animais.
Caramujos infectados
As primeiras análises realizadas após o caso detectaram o verme A. cantonensis em caramujo aquático do gênero Pomacea, conhecido popularmente como lolô ou aruá.
Posteriormente, a infecção também foi confirmada em moluscos terrestres da espécie Achatina fulica, chamados de caramujo gigante africano, que foram coletados pela equipe da Suvam/Nova Iguaçu e analisados pelo Laboratório de Malacologia do IOC.
Todos os achados foram comunicados por meio de laudos enviados à Secretaria Municipal de Saúde e ao Ministério da Saúde.
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